Quando: Abril a maio de 2020 Onde: Controlo remoto (Aracaju, Sergipe, Brasil) Instituição: Uninassau Facilitador: Matheus Batalha |
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Matheus Batalha Moreira Nery
Eram as primeiras horas da manhã. Um café quente me ajudou a dissipar o cansaço acumulado pela avalanche de trabalho que surgiu desde o início da pandemia. Na tela, cerca de vinte bolinhas representavam os alunos presentes na sala remota. Meus alunos, em geral, não têm o hábito de ligar as câmeras. Então, porque eu não consigo ver, eu só ouço, independente do assunto a ser tratado na aula, eu sempre começo olhando para ver se eles estão bem. É uma espécie de “rodada do bem”, em que tento ser empático para saber como estão a sobreviver nestes tempos de pandemia. Após as brincadeiras iniciais e a distribuição coletiva de empatia, iniciamos a atividade prevista para aquela turma. Todos haviam recebido uma mensagem na véspera informando que trabalharíamos com a arte como veículo de construção do conhecimento. Faríamos a leitura de um texto básico e uma pequena produção artística que serviria como indutor de questionamentos. Nessa disciplina, em particular, estudamos metodologias para o ensino da arte no contexto educacional. Também solicitei com antecedência que todos tivessem os materiais básicos necessários para a atividade, como cartolina ou folha de papel em branco, lápis de cor, cola, revistas e o que mais quisessem agregar à atividade lúdica. Para facilitar o trabalho virtual, gravei o áudio da leitura e distribuí assim que iniciamos as atividades virtuais.
“Se você não quer ficar doente – fale sobre seus sentimentos,” minha voz soou alta através dos fones de ouvido que eu uso para minhas aulas. Antes de apertar o play para ouvir o áudio, pedi que desenhassem, artisticamente, livremente, uma “capa de livro” para o texto que seria lido. Quando finalmente toquei, além da minha voz, só havia silêncio. No final da primeira audição, perguntei se todos gostariam de ouvi-la novamente. Eles disseram que sim, então eu repeti duas vezes. Antes da terceira audiência, coloquei um novo comando. Disse-lhes que gostaria que, enquanto ouvissem o texto, fizessem uma pergunta a respeito. Alguns segundos após a última audiência, as perguntas começaram a aparecer na tela do meu computador. “O áudio fala sobre não ficar doente! Ser feliz, mas muitas vezes os problemas e preocupações vêm tentar nos afligir, querendo ser maior que a nossa felicidade, o que fazer para ser resiliente nesse momento, onde buscar forças, pois sabemos que nem tudo é uma mar de rosas?” perguntou um dos alunos. Ao mesmo tempo, outro aluno questionou que “a solução para todos os problemas seria colocar para fora o que realmente sentimos?”. Depois que todos propuseram suas perguntas, pedi a cada um que escolhesse uma das perguntas de seus colegas para responder. Como um gatilho, minha proposta os despertou para um importante senso de compromisso com a comunidade. “Minha força vem de Deus e, de fato, a vida não é um mar de rosas, mas a resiliência existe justamente para a gente saber enfrentar, se reinventar nesses momentos difíceis”, disse um aluno em resposta à pergunta sobre onde buscar forças”. Outro aluno respondeu à questão sobre sentimentos afirmando que “primeiro você tem que entender, controlar e ressignificar sentimentos ruins. Caso contrário, novos problemas serão criados, talvez não para você, mas para outros. Acredito que a resposta com base no texto é ter coragem de se libertar dos sentimentos ruins, da angústia, da negatividade, e viver, na humildade, aceitando-se como você é”.
Ao contrário do que vivemos recentemente em nosso cotidiano, em que o autoritarismo tem sido proposto como a melhor solução para os mais variados problemas que temos, aprendi, há muito tempo, que um mecanismo eficiente para fazer com que os alunos colaborem com seus processos de aprendizagem é preciso fazer com que eles se tornem parte ativa de todo o processo. Em vez de colocar os meus alunos a responder a questões autoritárias, que muitas vezes se dispersam no silêncio, procuro sempre criar formas subtis de o fazer com eles, assumindo também a responsabilidade de questionar a realidade. As questões propostas por eles facilitam meu trabalho docente e as questões iniciais daquele dia levantaram uma série de outras questões na aula. Observei tudo com paciência e, ao perceber que haviam construído um consenso sobre os principais elementos do texto, propus uma questão para análise. Eu simplesmente perguntei a eles, em suspense, “o que nós fizemos?” As respostas dos alunos foram eloquentes. “Para mim, foi uma aula muito interessante. Expressamos arte na forma de pensamento e desenhos. Expressar nossos desejos e sentimentos, criar um canal de conversa com nossos colegas e absorver bons conselhos para curar a alma, que no momento está desgastada por essa luta diária”, escreveu um dos alunos no chat. Acredito que as reflexões dos alunos são parte importante do processo pedagógico. Quando as perguntas são feitas de forma criativa por eles, o nível de engajamento no trabalho acadêmico aumenta. Nesses tempos de pandemia, em que precisamos estar distantes uns dos outros, mas precisamos nos conectar para que o processo de ensino aconteça, utilize estratégias dinâmicas que permitam ao aluno criar relações entre o que precisa aprender e a sua vida, é uma moeda de ouro.
No final da tarde, enquanto tomava mais uma xícara de café, recebi um e-mail do meu mentor nos Estados Unidos, o responsável pela criação do Pre-Texts, o protocolo de ensino que apliquei em minha aula naquela manhã. A mensagem dizia apenas “Hooray”, palavra usada em inglês para expressar parabéns. Tínhamos acabado de receber uma pequena bolsa da Harvard University por meio do David Rockefeller Center for Latin American Studies, em parceria com a Fundação Lemann, para promover treinamento no uso desse protocolo em escolas do Nordeste do Brasil. Uma única palavra foi capaz de me impulsionar muito mais do que a cafeína.
By Matheus Batalha Moreira Nery
Natália Lorena Do Nascimento Oliveira
Eloa Alves Barbosa
Estávamos todos sentados nas primeiras horas da manhã. A xícara quente estava ao lado do meu computador. Na tela, apenas bolinhas que representavam os alunos presentes naquela sala online. Eles não têm o hábito de ligar suas câmeras. Por isso, independente do tema, sempre começo nossas reuniões perguntando se está tudo bem. É uma espécie de “rodada do bem”, em que procuro ser empático com todos para saber como estão a sobreviver nestes tempos de pandemia. Após a distribuição coletiva inicial de empatia, passamos a atividade programada para a aula daquela manhã. Todos os alunos receberam uma mensagem pelo WhatsApp sobre a realização de uma atividade chamada Pre-Texts durante a aula. Nele, os alunos, em sua maioria mulheres, eram informados de que receberiam naquela manhã um áudio com a leitura de um texto escolhido para a atividade, bem como o texto escrito e todas as instruções. Na mesma mensagem, havia uma instrução para que organizassem todos os materiais necessários para a atividade, a saber: cartolina ou folha em branco, papel, marcadores, lápis, cola, revistas, e o que mais desejassem acrescentar diante do lúdico. atividade.
Os vinte alunos dessa turma fazem parte do curso de Pedagogia da Uninassau, em Aracaju, Sergipe, Nordeste do Brasil. Nesse curso, eles estudam metodologias para o ensino da arte. No início da sessão, pedi que arrumassem todos os materiais em suas mesas. Também informei que o texto completo e o áudio já estavam disponíveis e assim que possível poderíamos começar a trabalhar. “Com o áudio que vocês receberam da Nataly Lorena, da qual sou a narradora, vocês podem começar a trabalhar nas capas dos seus livros enquanto ouvem o áudio”, falei em tom assertivo, o que todos confirmaram objetivamente através do pequeno chat da o sistema de videoconferência. Ao final da primeira audiência, perguntei se gostariam de ouvir o texto novamente. Diante de respostas afirmativas, indiquei que daríamos cinco minutos entre uma audiência e outra para que todos pudessem organizar o desenvolvimento de seus materiais. Após a terceira audiência, introduzimos uma nova instrução. Eu disse a eles: “nesta terceira audiência, gostaria que vocês, ao ouvirem o texto, fizessem uma pergunta sobre ele. Qualquer pergunta que lhe interesse.
Alguns minutos depois, as perguntas surgiram na tela do meu computador. “O áudio fala sobre não ficar doente! Ser feliz, mas muitas vezes os problemas e preocupações vêm tentar nos afligir, querendo ser maior que a nossa felicidade, o que fazer para ser resiliente nesse momento, onde buscar forças, pois sabemos que nem tudo é uma mar de rosas?”, questionou um dos alunos. Enquanto outro aluno fez a seguinte pergunta: “Será que a solução para todos os problemas seria colocar para fora o que realmente sentimos?” Depois que todos fizeram suas perguntas, pedimos a cada participante que escolhesse uma das perguntas de seus colegas para responder. Esta proposição despertou nos participantes um importante sentido de compromisso em responder aos colegas, diferentemente do que vivenciamos diariamente.
Em resposta às questões propostas, principalmente aquelas destacadas sobre onde buscar forças e falar sobre sentimentos seria a solução para os problemas, outros dois alunos propuseram respostas como “minha força vem de Deus, é verdade que a vida não é uma cama de rosas, mas a resiliência existe justamente para sabermos lidar com nos reinventar nesses momentos difíceis”, e “primeiro precisamos entender, controlar e ressignificar sentimentos ruins, se isso não acontecer, novos problemas serão criados, talvez não para você e sim para os outros. Acredito que a resposta com base no texto é ter coragem de se libertar dos sentimentos ruins, da angústia, da negatividade e viver na humildade de se aceitar como você é.” É importante ressaltar que colocá-los para refletir sobre as atividades de outros colegas foi um grande passo na evolução desse grupo. Geralmente, eles têm dificuldade em apresentar ideias ou discutir temas quando são levantados nas aulas com a abordagem de ensino tradicional. Como as questões eram colocadas pelos colegas, e não pelo instrutor, o nível de envolvimento nos trabalhos académicos era muito superior ao normal, visto diariamente.
No final desta parte da sessão, colocamos a questão-chave que compõe o Pre-Texts programa: “O que fizemos?” Perguntei aos alunos em tom de suspense. As respostas foram dadas de forma simples e eloquente: “Para mim foi uma aula muito interessante... expressamos a arte em forma de pensamento e desenhos. Expressar os nossos desejos e sentimentos, criar um canal de conversa com os colegas e absorver bons conselhos para curar a alma que neste momento está desgastada por esta luta diária”, escreveu um dos alunos. Outro participante escreveu “tentamos entender, criticamente, o áudio do Dr. Dráuzio e apresentá-lo artisticamente por meio de um desenho. Também tenta fazer com que cada um de nós reflita por meio de uma pergunta, respondendo-a posteriormente de acordo com o texto.” Destacar o trabalho artístico e acadêmico produzido com a arte feita através da leitura do texto “A arte de não adoecer” do médico Dr. Drauzio Varella foi parte importante da sessão.
Uma semana depois, realizamos outro online Pre-Texts sessão utilizando o mesmo texto com alunos do ensino médio de escolas públicas do estado de Sergipe. É importante ressaltar que, devido à pandemia causada pelo COVID-19, todas as escolas públicas estão fechadas. Todo o contato com os alunos foi feito através do WhatsApp e a sessão conduzida pelo Zoom Cloud Meetings. Oito alunos participaram desta sessão, mas apenas seis estavam ativamente engajados nas atividades. A dinâmica de trabalho proposta sofreu apenas uma pequena alteração. Em vez de os alunos fazerem perguntas, pedimos que trabalhem com representações artísticas de figuras de linguagem no texto. As expressões escolhidas para o desenho livre foram “não viva na aparência”, “decida-se”, “aceite-se” e “a alegria cura qualquer doença”, todas presentes no texto do Dr. Drauzio Varella. Respeitamos o ritmo de cada participante em suas produções artísticas e quando todos relataram ter finalizado seus desenhos, fizemos a pergunta chave de Pre-Texts, "o que nós fizemos?"
O resultado foi igualmente surpreendente com os alunos do ensino médio, já que a reflexão ajudou a aumentar o engajamento na própria sessão. “Fizemos uma reflexão sobre o texto por meio de desenhos, colocando nos desenhos nossos sentimentos e formas de pensar”, disse um dos alunos. Outro destacou que “trabalhamos com a figura de linguagem principal, também pensando um pouco, em não ser pessimista para não trazer energia negativa e também em viver de aparência, que infelizmente é muito comum”, disse um dos alunos.
Assim como os alunos de pedagogia, tudo funcionou muito bem com os alunos do ensino médio. Todos os alunos se envolveram muito em todas as atividades que propusemos. O engajamento foi surpreendentemente maior do que nas outras turmas, assim como a qualidade do material acadêmico que todos os participantes apresentaram. Apesar da dinâmica de perguntas e respostas, os alunos do ensino superior têm centrado suas respostas em suas próprias experiências, e não no texto, esse é um movimento muito comum entre os alunos brasileiros, pelo menos os meus. Mas, acho que a sessão foi muito útil para mostrar a eles um caminho diferente.
Com os alunos do ensino secundário, demonstraram muito interesse e determinação em aprender e expressar a sua criatividade, surpreendendo-nos com os seus materiais criados durante a sessão. Embora na busca pela figura de linguagem nem todos quisessem expressar sua linguagem, muitas vezes por medo de errar, a sessão foi muito proveitosa para que eles se expressassem, se comunicassem e enxergassem os textos de forma diferente, tendo prazer em sua interpretação . A maioria desses alunos fará vestibular ainda este ano.
Um ponto muito interessante foi a proximidade das interpretações do texto nos dois grupos. Os participantes de ambos os grupos não se conheciam, mas, em geral, através Pre-Texts protocolo, chegaram a conclusões muito próximas sobre diferentes passagens do mesmo texto proposto para ambas as sessões. Percebemos que o resultado da expressão do desenho livre nos dois grupos tinha muitas semelhanças. Cada participante desenhou de forma diferente, no entanto, eles combinaram suas semelhanças na ideia, expressão, significado e propósito da atividade.
A sessão de pré-texto nos ajudou a mostrar aos participantes um novo olhar sobre a interpretação, expressão e comunicação do texto para a formação de sujeitos conscientes em suas escolhas em um país democrático. A sessão com alunos do ensino médio e universitários foi um sucesso aqui no Brasil. Muitos gostaram e pediram mais aulas parecidas com o Pre-Texts Protocolo.
Ao final de cada sessão, promovemos uma exposição coletiva online dos desenhos. Aqui estão algumas produções artísticas para desfrutar:
Experiência Pre-Texts
Alunos do Sétimo Semestre de Pedagogia
Disciplina – Metodologia do Ensino da Arte
Texto: A arte de não adotar
Autor: Dr. Dráuzio Varella
Participantes: 19 alunas e 01 aluno
Coordenado pelo Prof. Matheus Batalha Moreira Nery, com a ajuda de Nataly Lorena Do Nascimento Oliveira.
Os alunos receberam uma mensagem em seu grupo de Whatsapp sobre a realização de uma atividade chamada Pre-Texts durante o horário da aula. Na mesma mensagem, os alunos foram aquecidos que usariam a plataforma Teams, disponibilizada pela universidade para o encontro virtual. Na plataforma, bem como Whatsapp ,elas receberiam o áudio com a leitura com a leitura do texto escolhido, bem como o texto em si e todas as instruções. Eles também receberam na mesma mensagem a instrução que deveria providenciar, a seu pedido, os materiais necessários para atividade, a saber: papelão ou folha em branco, papel colorido, marcadores, lápis de cor, cola, revistas e o que mais desejassem adicionar.
Dinâmica:
Logo no início da sessão, pedimos que elas arrumem todos os materiais em sua mesa de trabalho. Informamos também que o texto completo, em especial o áudio, já estava disponível, e assim possível que consegui iniciar os trabalhos.
“Com o áudio que vocês receberam de Nataly Lorena Do Nascimento Oliveira , no qual eu sou o narrador, vocês podem começar a trabalhar cada um em suas capas de livros enquanto escutam o áudio.”
Em sequência, perguntamos se elas gostariam de ouvir o texto novamente.
“Vamos dar 5 mim entre uma audição e outra para vocês poderem organizar o desenvolvimento de seu material.”
Para a terceira audição, incluímos uma nova atividade ao processo:
“Nesta terceira audição, gostaria que vocês, ao ouvirem o texto, formulassem uma questão sobre ele. Qualquer questão que lhe seja de interesse.
As questões que sugiram foram as seguintes (Tal qual eles escreveram, sem edição). Nota, dos 20 alunos, somente 16 participaram nesta etapa, mesmo a gente solicitando que todos os colegas validassem os presentes na turma, como fazemos na sessão presencial (alguns saíram com problemas de internet):
Pedimos então que cada uma das participantes escolhasse uma pergunta de um colega que gostaria de responder. Eis as perguntas e respostas:
Nesta parte da sessão, alguns alunos responderam mais do que uma pergunta. A conexão de internet não estava muito boa neste momento, e algumas respostas demoravam a chegar, por isso as alunas se voluntariaram a responder mais de uma pergunta.
Em sequência, como fazemos nos workshops, eu fiz uma pergunta sobre o que fizemos;
“O que nós fizemos?”. Eis as respostas das participantes (sem edição, ou correção de linguagem):
Durante a apresentação dos desenhos (capas dos livros), criamos um momento de proteção e solicitamos que as alunas escolhassem o desenho que elas consideraram ter maior relação com a oficina e o texto estudando. O desenho vencedor, escolhido pela grande maioria das alunas, foi o seguinte:
Após o momento de sentir, explicamos a dinâmica de sair pela tangente. Todas as alunas participantes contribuirão com um texto para o nosso próximo encontro, nesta próxima semana. Apresentamos também o site www.pre-texts.org.
Considerações Finais:
De modo geral, tudo funcionou muito bem e as alunas ficaram muito engajadas em todas as atividades que propomos. Na verdade, o engajamento foi surpreendentemente maior do que nas outras aulas, bem como a qualidade do material acadêmico que elas apresentavam. Muito embora na dinâmica de perguntas e respostas elas tenham centrado as respostas em suas próprias experiências, e não no texto, este é um movimento bem comum entre os meus alunos. Elas acreditam, literalmente, que a leitura deve servir às suas próprias ideias e não ajudá-los a transformar seu pensamento. Mas, acho que a oficina foi muito útil para lhe mostrar um caminho diferente.